AGRONEGÓCIO: MODERNIZAÇÃO DA SENZALA E DO ENGENHO Renato Nucci Junior
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Os epígonos do agronegócio estão exultantes. Escorados nas divisas geradas pelas exportações agrícolas e pelas modernas tecnologias, não cansam de deslindar suas incríveis maravilhas. Afirmam ter sido o agronegócio e não a democratização da propriedade da terra através da reforma agrária, o responsável pela modernização de nosso mundo rural. Tais motivos seriam suficientes para demonstrar a completa invalidade de qualquer proposta de mudança na estrutura agrária brasileira. O presente texto pretende ser uma crítica ao agronegócio e a suposta modernização por ele produzida no mundo rural brasileiro. Nossa intenção é a de demonstrar que em seu interior permanece, sob formas inovadas, a função colonial atribuída à terra com seus desdobramentos inerentes: usá-la para a produção de artigos agrícolas demandados pelos mercados externos, recorrendo a formas brutais de exploração do trabalho. Monopolizada por poucos proprietários e hegemonizada por monoculturas restritas a alguns produtos destinados à exportação, a terra, sob a orientação do agronegócio, recicla a condição colonial da propriedade agrária no Brasil. Uma história escrita a sangue No Brasil, desde a conquista portuguesa, a terra cumpre função primordial: servir para a produção agrícola demandada pelos mercados externos. Essa condição, originada ainda no período colonial, tão bem descrita por historiadores pátrios como Caio Prado Junior, resulta, primeiramente, em colocar a economia nacional na dependência do “bafejo providencial de conjunturas favoráveis”. Para atender a essa finalidade, a produção agrícola organizou-se sob a forma de monoculturas extensivas feitas em grandes propriedades agrárias, com o uso de formas brutais de exploração do trabalho. Essa condição colonial de nossa economia se manteve após a Independência, levando Caio Prado a identificar sua permanência apesar da conquista de nossa autonomia política, em 1822, e da Proclamação da República, em 1889. Sempre cabe recordar que a existência da grande propriedade agrária tem sua origem pela expropriação e massacre sofrido pelas populações autóctones. Interessada em usar a terra recém-conquistada para produzir açúcar de cana destinada a atender seus interesses comerciais no continente europeu, a coroa portuguesa massacrou as populações que aqui habitavam, extirpando-lhes o direito de usar as terras que ocupavam há séculos. As terras foram entregues a portugueses fiéis à coroa portuguesa que deveriam explorá-las comercialmente. O massacre perpetrado pelos colonizadores contra as populações indígenas, levou Alberto Passos Guimarães, outro importante estudioso da realidade nacional, a identificar que sob o signo da violência contra as populações nativas cujo direito congênito à propriedade da terra nunca foi respeitado e muito menos exercido, é que nasce e se desenvolve o latifúndio no Brasil. Desse estigma de ilegitimidade que é o seu pecado original, jamais ele se redimiria. Não bastassem a violência, a expropriação e o extermínio sofridos pelas populações indígenas, o fardo do trabalho na lavoura coube por 300 anos às populações africanas trazidas para cá como escravas. Cerca de 3 milhões de africanos foram arrancados de seus lares para servirem, na terra brasilis, a um único objetivo: serem consumidos até a morte nos trabalhos da lavoura. O pagamento era viver em condições insalubres nas senzalas, receber dezenas de chibatadas sob qualquer indício de rebeldia e indolência ou mesmo por capricho dos feitores e de fazendeiros; ser atado ao tronco e ter a carne marcada com ferro em brasa para lembrar-lhes de que eram reses que possuíam um dono. Às mulheres cabia o papel de servirem aos desejos lúgubres dos senhores. Por estarem submetidos a tais condições, Caio Prado conclui que do trabalhador escravizado nada mais se queria dele, e nada mais se pediu e obteve que a sua força bruta, material. Esforço muscular primário, sob a direção e açoite do senhor. Com um histórico de sangue, expropriação, extermínio, genocídio e brutal exploração, é estranho querer atribuir, por meros artifícios cartoriais, legitimidade à propriedade privada da terra no Brasil. Sua origem não ocorre por um ato de compra e venda entre portugueses e povos indígenas ou simples transação comercial. A origem da grande propriedade da terra, ao contrário, está na expropriação e no massacre de indígenas, exploração brutal de negros escravizados, expulsão dos pequenos posseiros das terras em que vivem e roubo de terras públicas por falsos registros de títulos de propriedade em cartórios.
Alguns impactos da concentração da terra Foi sob o manto da violência mais inaudita dos grandes proprietários de terras que se engendrou um modo de produção escravista colonial que perdurou mais de 300 anos. A violência que pariu a nação brasileira pavimentou o caminho para o aparecimento e a sedimentação da grande propriedade privada da terra e da exploração brutal do trabalhador. A Lei de Terras de 1850 consagrou o direito à propriedade privada da terra, impedindo o acesso a ela por meio da posse, dificultando, sobremaneira, a formação de uma camada de pequenos proprietários rurais. Quanto ao regime de trabalho, a escravidão só foi abolida em 1888 não por um ato de generosidade da Princesa Isabel e a pedido dos fazendeiros, mas se tratou de solução aprovada às pressas para acalmar os negros escravizados que em massa abandonavam as fazendas. Porém, mesmo após a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, o mundo agrário brasileiro conheceu formas de exploração dos trabalhadores rurais de traços semi-feudais. Sem contar a grilagem de terras públicas e a expulsão de pequenos posseiros e arrendatários de suas terras por milícias de jagunços a soldo dos fazendeiros, situação que até os dias atuais aflige milhares de famílias de trabalhadores rurais. No plano político e social a grande propriedade agrária foi a responsável pelo aparecimento do coronelismo e do patrimonialismo. Estas formas autoritárias de exercício do poder político baseiam-se na obediência e servidão de uma massa de agregados ao grande proprietário rural, a quem ele oferecia proteção e acesso a exploração de pedaços de sua propriedade. Tais formas antidemocráticas representaram a prevalência dos interesses privados sobre os interesses públicos, com o Estado sendo apropriado completamente pelos grandes proprietários agrícolas. Por fim, outro resultado da existência da grande propriedade privada da terra, ao colocar uma grande massa de trabalhadores rurais à margem do acesso à terra, foi a migração para os centros urbanos, especialmente a partir da segunda metade do século XX. Atraídos pela propaganda de um Brasil que se modernizava rapidamente, buscavam nas cidades as oportunidades oferecidas pelo crescimento econômico. As grandes cidades brasileiras, contudo, despreparadas para receber a massa de migrantes, reservou-lhes como espaço de alocação as periferias sem infra-estrutura urbana, além da inserção precária no mercado de trabalho e do desemprego. No acelerado processo de desenvolvimento conhecido pelo Brasil a partir dos anos de 1950, a grande propriedade privada da terra cumpriu um outro papel funcional à acumulação do capital: formar um exército industrial de reserva que comprimiu os salários pagos na indústria e nas atividades urbanas. Agronegócio: o capitalismo no campo É sobre uma condição já pré-existente, a grande propriedade privada da terra e a monocultura, que surge o agronegócio. O termo agronegócio, no contexto brasileiro, define os empreendimentos rurais que, na avaliação do MST, utilizam grandes extensões de terra e se dedicam à monocultura. Ou seja, que se especializam num só produto, tem alta tecnologia, mecanização - às vezes irrigação - pouca mão-de-obra, e por isso, falam com orgulho que conseguem alta produtividade do trabalho. O termo agronegócio tem, portanto, um sentido sistêmico que abrange toda a cadeia produtiva agroindustrial: setores de insumos (fertilizantes, sementes, mudas, agrotóxicos, maquinário e ferramentas), a produção rural propriamente dita, a industrialização, a comercialização, a pesquisa e o financiamento através do sistema financeiro. Em outras palavras, o agronegócio é a entrada definitiva do capitalismo no campo. Toda a parafernália produtiva que envolve a cadeia agroindustrial gera uma modernização relativa das atividades agrícolas. Sob o estímulo de forte demanda externa por produtos alimentícios e matérias-primas agrícolas, as atividades econômicas rurais se reforçam no cenário nacional. Internacionalmente, estamos entre os maiores produtores e exportadores de carne bovina, carne de frango, soja, suco de laranja, etanol e açúcar. Grandes empresas brasileiras produtoras de alimentos industrializados concorrem no mercado mundial. Um novo impulso é dado ao agronegócio com a coqueluche internacional em torno dos agrocombustíveis, principalmente da cana-de-açúcar, artigo de que o Brasil é o maior produtor mundial e ao qual se atribui o papel miraculoso de ser uma alternativa aos combustíveis fósseis, recurso acusado de contribuir sobremaneira para o aquecimento global e a cada dia mais escasso. A perspectiva de aumento da procura internacional pelos agrocombustíveis, sob os auspícios do governo Lula e do acordo por ele assinado com Bush, tem feito os usineiros brasileiros sonharem alto. Estes, tendo Lula como seu garoto-propaganda, querem expandir seus investimentos para países da América Central e da África. A influência econômica e política readquirida pelos grandes proprietários rurais nos últimos anos através do agronegócio, reafirma o histórico papel brasileiro de grande exportador agrícola na nova divisão internacional do trabalho imposta pelos países imperialistas. Agronegócio: poder financeiro e influência política Ancorado na exportação de seus produtos, o agronegócio é peça fundamental para o funcionamento do modelo econômico implantado no Brasil na década de 1990, baseado na abertura comercial e financeira. O grande volume das exportações agrícolas vem garantindo, nos últimos anos, um superávit comercial com a entrada de dólares que aumentam nossas reservas monetárias. Esses dólares são necessários para que o Brasil mantenha reservas cambiais que permitam fechar sua conta comercial e de capitais. As exportações do agronegócio representaram 36,4% das exportações brasileiras em 2007, totalizando US$ 58,415 bilhões. Estes números são 18,2% maiores que em 2006. O resultado desse poder econômico e financeiro conquistado pelo agronegócio, bem como sua funcionalidade ao modelo econômico brasileiro, reflete-se em distintas esferas da vida nacional. É sintomático que em 2007, ano em que Lula anunciou uma parceria estratégica com o governo dos Estados Unidos para a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, tenham sido desapropriados 204,5 mil hectares de terras para reforma agrária. A área é suficiente para assentar cerca de 6 mil famílias. Há uma queda de 62%, em comparação com 2006, quando foram desapropriados 538,6 mil hectares. Dentro do parlamento os interesses do agronegócio são representados pela chamada bancada ruralista, que congrega deputados federais e senadores de distintas legendas, unidos pelo mesmo interesse: impedir mudanças na estrutura agrária e alterações que diminuam os privilégios dos grandes fazendeiros. A bancada exerce forte pressão junto ao poder executivo que, para formar uma maioria parlamentar no Congresso, passa a atender suas reivindicações. Estas consistem em alongar prazos das dívidas, reduzir ou dispensar os fazendeiros do pagamento dos juros de suas dívidas, além de manterem linhas de crédito em condições favoráveis nos bancos oficiais. Seu poder e influência determinam a indicação dos diretores da área agrícola do Banco do Brasil, principal financiador da produção agrícola. Atualmente, a bancada ruralista se empenha para impedir a atualização dos índices de produtividade agrícola. A atualização desse índice é fundamental para uma política de reforma agrária, já que a mudança pode ampliar o número de propriedade improdutivas que não cumprem sua função social, uma das condições exigidas pela Constituição para que uma fazenda seja desapropriada. Defensora intransigente da propriedade privada, a bancada ruralista reage a qualquer proposta que sugira alteração na estrutura agrária ou que exija o cumprimento das regras mínimas . Em 2005, na Comissão Parlamentar de Inquérito da Terra, derrotou o relatório final do relator João Alfredo (PSOL/CE), que indicava a reforma agrária como uma solução para o fim da violência no campo. Tendo maioria na Comissão, ela aprovou um relatório alternativo que criminaliza os trabalhadores rurais, preserva a União Democrática Ruralista (UDR) dos crimes por ela cometidos contra camponeses e posseiros e, pasmem, classifica as ocupações de terra como “atos terroristas”. Em 2007, por pressão dos senadores Flexa Ribeiro (PSDB/BA), Kátia Abreu (DEM/TO), Romeu Tuma (DEM/SP), Jarbas Vasconcelos (PMDB/PE) e Cícero Lucena (PSDB/PB), o Grupo Especial Móvel de Fiscalização do Trabalho Escravo, ligado ao Ministério do Trabalho, suspendeu por mais de 20 dias suas ações. A causa da suspensão foi a irritação desses senadores com uma ação do Grupo Móvel, que em 30 de junho libertou mais de mil trabalhadores que viviam em condições análogas a de escravidão na fazenda Pagrisa Pastoril S/A, no Pará, cuja atividade principal é a lavoura da cana-de-açúcar. O poder do agronegócio em condicionar as ações do executivo federal não fica por aí. Um exemplo é a Medida Provisória nº 410, baixada em 28/12/2007, pelo governo Lula, que permite aos produtores rurais contratar trabalhadores por até dois meses sem registro na carteira de trabalho. Como as condições de trabalho no meio rural comportam uma grande sazonalidade, com o recrutamento de trabalhadores se concentrando no período da safra, assiste-se a uma grande informalidade e precarização das relações de trabalho. A MP nº 410 tornará legal uma precarização que na prática já é feita pelos produtores rurais, eximindo-os de cumprir certas obrigações legais. A apropriação dos recursos naturais como a terra e a água também obedecem ao interesse do agronegócio e encontram respaldo do Estado brasileiro. O projeto de transposição das águas do rio São Francisco, levado a cabo pelo governo Lula, contraria o interesse das populações ribeirinhas e os pequenos proprietários, mas atende ao interesse do agronegócio, que nos últimos anos tomou conta do interior nordestino. Sob o nobre pretexto de levar água para matar a sede da população, seus objetivos são os de usar esse precioso líquido para irrigar as lavouras de frutas destinadas à exportação. Agronegócio da cana: superexploração dos trabalhadores e consumo suntuário dos usineiros Além das formas coloniais de uso da terra o agronegócio também recorre, tal como nos velhos engenhos construídos no Brasil durante o período colonial, a formas brutais de exploração da força de trabalho. No caso dos canaviais paulistas, símbolo do agronegócio nacional, os usineiros, alçados por Lula à condição de “heróis nacionais”, exploram até o limite de suas forças físicas seus trabalhadores. A maioria é formada por migrantes vindos de regiões distantes do país, apenas para trabalhar na safra. O trabalho é extenuante. Em 8 horas diárias executam cerca de 10 mil golpes com o facão, ferramenta usada para o corte da cana. Os intervalos de refeição são de 30 minutos e as cãibras são combatidas com soro. Todo esse esforço tem um alto preço: viver em péssimas condições e morrer de exaustão. Alguns chegam a usar narcóticos como o crack para atenuar o cansaço e as dores pelo corpo. Recente pesquisa indicou que o tempo de vida produtiva de um cortador de cana é similar e até inferior a de um escravo. O salário que recebe por essa situação também é aviltante. Os trabalhadores considerados mais eficientes chegam a cortar 12 toneladas de cana por dia, ao preço de R$ 2,50 por tonelada cortada, o que lhes confere R$ 30,00 por dia. Em algumas usinas, porém, o preço por tonelada chega a custar R$ 1,30. Neste caso, se o trabalhador cortar as mesmas 12 toneladas, receberá ao final do dia R$ 15,60. Tanto esforço, privação e sofrimento dos cortadores são usados pelos usineiros de Ribeirão Preto para “investirem” no consumo de artigos suntuários. A concessionária da BMW no município, cujos automóveis se enquadram no segmento dos carros de luxo, é a segunda maior revendedora da marca no país. A empresa previu que fecharia o ano de 2007 com 180 unidades vendidas, ante as 78 comercializadas em 2003. Agronegócio: trabalho escravo, devastação ambiental e violência Muitas atividades do agronegócio respondem pelo crescimento dos casos de trabalhadores libertados de condições análogas à de escravidão. Trabalhadores submetidos a tais condições são encontrados em todos os estados da federação. Porém, em sua maioria, localizam-se nos estados do Pará, Maranhão e Tocantins, novas fronteiras agrícolas exploradas pelo agronegócio. Contratados pelos “gatos”, aliciadores de mão-de-obra, nos povoados pobres do interior do Nordeste, que lhes prometem trabalho e bons salários, os trabalhadores escravizados são encontrados em fazendas que compõem a cesta básica do agronegócio brasileiro. Ao chegarem nas fazendas, os trabalhadores aliciados vêem-se reduzidos à condição de cativos. São alojados em palhoças e outros tipos de habitação sem as mínimas condições de higiene, não possuem água potável e a comida fornecida assemelha-se à lavagem dada a porcos. São impedidos de voltar aos seus povoados, pois estão presos por dívidas contraídas no armazém da fazenda, que lhes vende produtos com preços altíssimos. Alguns dos que tentam empreender fuga, quando capturados, são mortos pelos capatazes das fazendas para servirem de exemplo. Mas a violência do agronegócio não recai apenas sobre os trabalhadores rurais. Em janeiro de 2004, três fiscais do Ministério do Trabalho foram assassinados no município de Unaí, noroeste de Minas Gerais, a mando do fazendeiro Norberto Mânica, o maior produtor de feijão da América Latina. O motivo para o crime é que um dos fiscais assassinados, Nelson José da Silva, tinha multado o fazendeiro em mais de R$ 2 milhões por contratação irregular de trabalhadores. Em outras palavras, o fazendeiro contratava trabalhadores sem respeitar a legislação trabalhista. Não é só nas esferas econômica e das relações de trabalho que o agronegócio mostra sua face destrutiva. Suas ações deletérias atingem também o meio ambiente. O crescimento do desmatamento da floresta amazônica e do cerrado brasileiro, observado nos últimos meses, tem como causa a expansão das lavouras do agronegócio, ainda que Lula refute diariamente essa constatação, afirmando que não há provas da relação entre agronegócio e desmatamento. Outro problema relacionado ao avanço da fronteira agrícola nacional é o da violência. O Mapa da Violência dos Municípios divulgado pela Ritla (Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana) e pelos Ministérios da Saúde e da Justiça, indica que as cidades onde mais se desmata estão na lista das mais violentas do país. Nelas, o poder público – prefeitura, câmara de vereadores e polícia - está diretamente sob controle de madeireiros, que usam as funções jurisdicionais do Estado para seu interesse privado. No Espírito Santo, as comunidades remanescentes de quilombo e indígenas enfrentam a empresa Aracruz Celulose, grande produtora de eucaliptos, que quer expulsá-los de suas terras para ampliar a área plantada. A monocultura do eucalipto tem sido a responsável pela devastação de extensas áreas de mata atlântica, pelo esgotamento dos recursos hídricos, visto que a espécie consome grande quantidade de água, e pelo uso de venenos como Tordon, altamente cancerígeno. Ávidos por lucros, os empresários do agronegócio, tais como os proprietários agrícolas do passado, não se preocupam com a vida humana, tampouco com a natureza. A necessidade de superar o agronegócio Por esses motivos não se pode acreditar que o agronegócio será a porta de entrada definitiva do Brasil no primeiro mundo e na modernidade. Mesmo que ele signifique a entrada definitiva do capitalismo no campo brasileiro, sua modernidade restringe-se ao uso do que existe de mais avançado em tecnologia. Como bem apontou Milton Santos, o aparelho produtivo mundial dominado por empresas multinacionais impõe uma unicidade e homogeneização das técnicas produtivas. Quem não atende a tais imperativos fica fora do jogo. A produção agrícola sofre com as conseqüências desse modelo pelo aparecimento de uma agricultura científica globalizada, que nas condições brasileiras encontra no agronegócio sua forma própria de manifestação. Se o agronegócio, dominado completamente pela lógica capitalista, é moderno nos recursos técnicos empregados, no que tange às relações de trabalho e exploração dos recursos naturais, ele recicla sob novas vestes certas características da condição colonial da exploração da terra no Brasil. Essa situação não constitui um paradoxo, pois, como bem advertiu Caio Prado, as relações capitalistas de produção não se traduzem numa civilidade na exploração do capital sobre o trabalho. Quem civilizou essa exploração, impondo limite ético-político, foram os trabalhadores. É incongruente, portanto, querer associar agronegócio a modernização do campo. A superação do agronegócio exige o fim da grande propriedade privada da terra. Sua origem, possível apenas pelo extermínio das populações indígenas, por princípio não possui qualquer legitimidade. Vinculada ao mercado externo que lhe demandava certos artigos agrícolas, ela moldou formas próprias de exploração da terra e do trabalho que duram até os nossos dias, ainda que sob vestes distintas. Monocultura e formas brutais de exploração do trabalho sempre a caracterizaram. É sob condições pré-existentes, cujas origens se localizam no período colonial, que o agronegócio encontra sua base de existência. Nas condições brasileiras, agronegócio e grande propriedade privada da terra reforçam-se mutuamente, sendo necessário superá-los igualmente. Uma superação que pode contemplar, por um lado, a democratização da propriedade da terra, por sua repartição para as milhões de famílias de sem-terra, por meio da reforma agrária. Por outro, a grande propriedade pode ser desapropriada, tornando a terra um bem de utilidade pública que mesmo sendo usada para lavouras de grande escala, utilize trabalho assalariado em condições humanas, dignas e que respeitem a legislação trabalhista e o meio ambiente. Do contrário, o agronegócio continuará repetindo nosso passado colonial: produzindo riqueza para poucos e miséria para muitos.
Campinas, fevereiro de 2008.
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quarta-feira, 27 de agosto de 2008
AGRONEGÓCIO: MODERNIZAÇÃO DA SENZALA E DO ENGENHO
sábado, 19 de abril de 2008
Os Jornais e os operários - Antonio Gramci
É a época da publicidade para as assinaturas. Os diretores e os administradores dos jornais burgueses arrumam as suas vitrines, passam uma mão de tinta pela tabuleta e chamam a atenção do passante (isto é, do leitor) para a sua mercadoria. A mercadoria é aquela folha de quatro ou seis páginas que todas as manhãs ou todas as tardes vai injetar no espírito do leitor os modos de sentir e de julgar os fatos da atualidade política que mais convém aos produtores e vendedores de papel impresso. Estamos dispostos a discorrer, com os operários especialmente, sobre a importância e a gravidade daquele ato aparentemente tão inocente que consiste em escolher o jornal que se pretende assinar?
É uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão. Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recorda-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir a classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação. Mas o pior reside nisto: em vez de pedir dinheiro à classe burguesa para o subvencionar a obra de defesa exposta em seu favor, o jornal burguês consegue fazer-se pagar pela própria classe trabalhadora que ele combate sempre. E a classe trabalhadora paga, pontualmente, generosamente. Centenas de milhares de operários contribuem regularmente todos os dias com seu dinheiro para o jornal burguês, aumentando a sua potência. Porquê? Se perguntarem ao primeiro operário que encontrarem no elétrico ou na rua, com a folha burguesa desdobrada à sua frente, ouvirão esta resposta: É porque tenho necessidade de saber o que há de novo. E não lhe passa sequer pela cabeça que as notícias e os ingredientes com as quais são cozinhadas podem ser expostos com uma arte que dirija o seu pensamento e influa no seu espírito em determinado sentido. E, no entanto, ele sabe que tal jornal é conservador, que outro é interesseiro, que o terceiro, o quarto e quinto estão ligados a grupos políticos que têm interesses diametralmente opostos aos seus. Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa com prejuízo da política e da classe operária. Rebenta uma greve? Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há manifestação? Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos, facciosos, malfeitores.
O governo aprova uma lei? É sempre boa, útil e justa, mesmo se não é verdade. Desenvolve-se uma campanha eleitoral, política ou administrativa? Os candidatos e os programas melhores são sempre os dos partidos burgueses. E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disto, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês é sem limites. É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente para a mão do ardina é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária.
Se os operários se persuadirem desta elementaríssima verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais dos operários, isto é, a imprensa socialista.
Não contribuam com o dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinaturas, feitas por todos os jornais burgueses. Boicotem, boicotem, boicotem!
terça-feira, 1 de abril de 2008
segunda-feira, 24 de março de 2008
PCB se manifesta pela paz na América Latina e repudia a agressão do governo fascista da Colômbia ao Equador
Esta ação comandada pelo presidente Uribe, da Colômbia, a serviço do império, é uma clara provocação contra o intercâmbio humanitário e contra qualquer possibilidade de paz na região. O fascista Uribe agrediu, num só ato, as FARC, o Equador, a Venezuela. Agrediu toda a América Latina, todos os que lutam por paz e justiça social.
A agressão contribui para aumentar a tensão, precisamente no momento em que as FARC - grupo de esquerda beligerante em guerra contra o governo colombiano e por reformas sociais de fundo no país -- se propõem a dar um importante passo para a Paz, exigindo o reconhecimento internacional de seu caráter de organização política armada em luta e não de grupo terrorista, como mentem a grande imprensa, os governos e diversos grupos de direita da Colômbia, dos EUA e de outros países.
A direita, as grandes empresas transnacionais, os grandes proprietários de terra colombianos, os narcotraficantes e seus comparsas, os governos dos EUA e de seus aliados precisam prosseguir com a guerra na Colômbia, seja para manter presença militar americana permaneça no país, seja para impedir que o debate político cresça na Colômbia, com a participação das FARC como organização política não armada, evitando, assim que os verdadeiros problemas da Colômbia, como a miséria e o desemprego, sejam efetivamente enfrentados.
Este aumento de tensão criado por Uribe é uma tentativa de forçar uma intervenção militar americana na Colômbia, sob o falso pretexto de combater os "narcotraficantes". Este é um discurso cínico, pois o próprio Uribe é apoiado pelos narcotraficantes. Na realidade, a intenção é desestabilizar os governos progressistas de Chávez, na Venezuela, de Morales, na Bolívia, de Correa, no Equador, para fragilizar o processo de mudanças no rumo da justiça social que vem se dando na América Latina, para garantir a exploração das riquezas naturais - com destaque para o petróleo da Venezuela e do Equador, membros da OPEP, e dos trabalhadores destes países pelo grande capital internacional, para impedir o avanço da construção do socialismo. Além disso, Uribe quer impedir a libertação de Ingrid Betancourt - virtual candidata à presidência da Colômbia - num momento em que o próprio Uribe tenta negociar a possibilidade de seu terceiro mandato com o Congresso colombiano.
O quadro é de extrema violência: entre 1982 e 2005, 4 milhões de pessoas foram deslocadas de suas casas e de suas cidades pelos grupos paramilitares que operam em conjunto com o exército. Mais de 15.000 colombianos são dados como desaparecidos, mais de 1.700 índios, 2.550 sindicalistas e mais de 5.000 membros da União patriótica foram assassinados, muitos foram torturados antes de morrer. Entre os mortos há também muitos parlamentares de esquerda. Recentemente, foi assassinado, em território venezuelano, um dirigente da Juventude Comunista da Colômbia, a JUCO.
Neste período, mais de 6 milhões de hectares foram tomados dos camponeses pelos grupos paramilitares. Muitos grupos paramilitares mantiveram-se ativos, mesmo depois de sua desmobilização oficial, em 2002 (chamam-se, agora, "águias negras"), tendo cometido, desde então, massacres, desaparecimentos forçados e assassinatos. Muitos paramilitares estão em cargos públicos. A população colombiana desconhece estes fatos, pois há uma forte censura exercida pelo governo sobre os meios de comunicação daquele país.
As manifestações de 06 de março foram uma às vítimas dos crimes do Estado colombiano e um veemente repúdio à agressão operada pelo governo Colombiano ao Equador, exigindo o fim da exclusão e da pobreza, o fim da falta de atendimento médico adequado para a maioria da população colombiana, o fim do analfabetismo, exigindo emprego e moradia para todos os colombianos, e o fim do narcotráfico.
O Partido Comunista Brasileiro se solidariza com as vítimas dos crimes do Estado colombiano, repudia a agressão de Uribe ao Equador, exige a Paz e reconhece a justeza do pleito das FARC pelo seu reconhecimento internacional como grupo político beligerante como um passo importante para a conquista da paz e do desenvolvimento com justiça social naquele país.
FORA O IMPERIALISMO DA AMÉRICA LATINA.
SOLIDARIEDADE AO EQUADOR, À VENEZUELA E ÀS FARC.
PELA PAZ NA AMÉRICA LATINA
UM TRIBUTO A RAUL REYES.
Partido Comunista Brasileiro - Comissão Política Nacional
domingo, 9 de março de 2008
AGRONEGÓCIO, A VOLTA DA CASA GRANDE*
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O etanol feito a partir da cana de açúcar pode ser produzido, no Brasil, em larga escala, mesmo sem expansão da fronteira agrícola. Há, ainda, no país, muita terra agriculturável para futura utilização, sem risco para as florestas e áreas de preservação ambiental ou para a produção de alimentos. Mas, dada a atual estrutura fundiária brasileira e o caráter especulativo da atividade agrícola capitalista, pode-se esperar que, com a elevação dos preços do etanol e a garantia das vendas no mercado internacional, haverá certamente a diminuição e até a extinção de culturas. Os fazendeiros paulistas, por exemplo, tenderão a deixar de lado outros cultivos para plantar somente cana; os de Goiás deixarão de lado a soja. Assim, cairá sobre o conjunto dos trabalhadores a elevação do custo de vida, cairá o nível da segurança alimentar dos brasileiros.
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O capitalismo brasileiro está perfeitamente integrado à economia mundial. Esta integração, entretanto, é subalterna e perigosa. Subalterna porque tende a especializar o Brasil na produção e exportação de produtos agrícolas, o que deteriora os termos de trocas, ou seja, encarece as importações de máquinas e produtos manufaturados. E perigosa devido à entrada de capital estrangeiro no setor, o que torna o país mais vulnerável nas relações econômicas com o exterior.
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Aparentemente, o agronegócio brasileiro é moderno e competitivo. Nestes tempos de política neoliberal, tem sido o setor que apresentou melhores resultados: responde por cerca de um terço do produto interno bruto, 42% das exportações e 37% dos empregos. Obteve umataxa anual de crescimento, nos últimos anos, acima de 4,5%, maior que a do conjunto da economia. É o principal exportador mundial de café, açúcar, álcool, suco de frutas, tabaco e soja.
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As aparências enganam
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O crescimento do agronegócio se baseia na substituição do trabalho vivo pelo morto (uso crescente de máquinas) e na superexploração do trabalho: as condições de vida e trabalho dos assalariados rurais brasileiros equivalem às condições do período mais cruel da acumulação primitiva, no início do capitalismo na Europa. A grande maioria dos trabalhadores nas plantações são temporários e terceirizados, moram em habitações precárias, têm uma jornada de trabalho extenuante, fazem as refeições no próprio canavial, com nutrientes insuficientes. Muitas vezes usam drogas para driblar a fadiga.
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Segundo Maria A. de Moraes e Silva (UNESP), a busca dos empresários rurais pela produtividade a qualquer custo está reduzindo drasticamente o tempo de vida útil dos trabalhadores volantes para cerca de 12 anos, o que se equipara à vida útil dos escravos dos canaviais, nos tempos da colonização. Os trabalhadores são obrigados a produzir em média 10 toneladas de cana por dia, ou seja, devem andar por volta de oito quilômetros e realizar cerca de 10 mil golpes de facão para ganhar cinco reais por tonelada de cana, incluindo os benefícios indiretos. Desde 2004 já ocorreram 20 mortes nos canaviais paulistas.
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É a volta da Senzala, em versão tecnológica.
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A ALTERNATIVA COMUNISTA
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O capitalismo está consolidado no campo brasileiro. Está integrado à indústria e ao mercado mundial. Sua estrutura atual é a que melhor atende aos interesses do capital. Não haverá nenhuma evolução no setor que, naturalmente, aponte para a priorização da produção de alimentos para o consumo de todos os trabalhadores brasileiros, para o fim da fome e da miséria.
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Assim como em outras culturas de grande escala, o cultivo da cana-de-açúcar para a produção de etanol deve dar-se em fazendas de propriedade pública, com trabalho assalariado. Simultaneamente, há que promover-se a desapropriação e a distribuição de terras nas áreas sub-urbanas – os chamados cinturões verdes – para a produção de hortifrutigranjeiros e outros produtos agrícolas para o abastecimento local.
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Este será um grande passo para a conquista da justiça social, da divisão equânime da renda, da inserção soberana do Brasil no mundo e para a construção do socialismo.
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* Matéria publicada em Imprensa Popular - Jornal do Parttido Comunista Brasileiro, out. 2007, p. 3.
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Fonte: PCB
TROPA DE ELITE: A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA! - Ivan Pinheiro
Qual é sua missão?
É invadir favela
E deixar corpo no chão"
(refrão do BOPE)
Não vá cair no papo furado de que "Tropa de Elite" é "arte pura" ou "obra aberta". Um filme sobre questões sociais não podia ser neutro. Trata-se de uma obra de arte objetivamente ideológica, de caráter fascista, que serve à criminalização e ao extermínio da pobreza. É possível até que os diretores subjetivamente não quisessem este resultado, mas apenas ganhar dinheiro, prestígio e, quem sabe, um Oscar. Vão jurar o resto da vida que não são de direita. Aliás, você conhece alguém no Brasil, ainda mais na área cultural, que se diga de direita?
Como acredito mais em conspirações do que no acaso, não descarto a hipótese de o filme ter sido encomendado por setores conservadores. Estou curioso para saber quais foram os mecenas desta caríssima produção, que certamente foi financiada por incentivos fiscais.
O filme tem objetivos diferentes, para públicos diferentes. Para os proletários das comunidades carentes, o objetivo é botar mais medo ainda na "caveira" (o BOPE, os "homens de preto"). O vazamento escancarado das cópias piratas talvez seja, além de uma estratégia de marketing, parte de uma campanha ideológica. A pirataria é a única maneira de o filme ser visto pelos que não podem pagar os caros ingressos dos cinemas. Aliás, que cinemas? Não existe mais um cinema nos subúrbios, a não ser em shopping, que não é lugar de pobre freqüentar, até porque se sente excluído e discriminado.
No filme, os "caveiras" são invencíveis e imortais. O único que morre é porque "deu mole". Cometeu o erro de ir ao morro à paisana, para levar óculos para um menino pobre, em nome de um colega de tropa que estava identificado na área como policial. Resumo: foi fazer uma boa ação e acabou assassinado pelos bandidos.
Para as classes médias e altas, o objetivo do filme é conquistar mais simpatia para o BOPE, na luta dos "de cima", que moram embaixo, contra os "de baixo", que moram em cima.
Os "homens de preto" são glamourizados, como abnegados e incorruptíveis. Apesar de bem intencionados e preocupados socialmente, são obrigados a torturar e assassinar a sangue frio, em "nosso nome". Para servir à "nossa sociedade", sacrificam a família, a saúde e os estudos. Nós lhes devemos tudo isso! Portanto, precisam ser impunes. Você já viu algum "caveira" ser processado e julgado por tortura ou assassinato? "Caveira" não tem nome, a não ser no filme. A "Caveira" é uma instituição, impessoal, quase secreta.
Há várias cenas para justificar a tortura como "um mal necessário". Em ambas, o resultado é positivo para os torturadores, ou seja, os torturados não resistem e "cagüetam" os procurados, que são pegos e mortos, com requintes de crueldade. Fica outra mensagem: sem aquelas torturas, o resultado era impossível.
Tudo é feito para nos sentirmos numa verdadeira guerra, do bem contra o mal. É impossível não nos remetermos ao Iraque ou à Palestina: na guerra, quase tudo é permitido. À certa altura, afirma o narrador, orgulhoso: "nem no exército de Israel há soldados iguais aos do BOPE".
Para quem mora no Rio, é ridículo levar a sério as cenas em que os "rangers" sobem os morros, saindo do nada, se esgueirando pelas encostas e ruelas, sem que sejam percebidos pelos olheiros e fogueteiros das gangues do varejo de drogas! Esta manipulação cumpre o papel de torná-los ainda mais invencíveis e, ao mesmo tempo, de esconder o estigmatizado "Caveirão", dentro do qual, na vida real, eles sobem o morro, blindados. O "Caveirão", a maior marca do BOPE, não aparece no filme: os heróis não podem parecer covardes!
O filme procura desqualificar a polêmica ideológica com a esquerda, que responsabiliza as injustiças sociais como causa principal da violência e marginalidade. Para ridicularizar a defesa dos direitos humanos e escamotear a denúncia do capitalismo, os antagonistas da truculência policial são estudantes da PUC, "despojados de boutique", que se dão a alguns luxos, por não terem ainda chegado à maioridade burguesa.
Os protestos contra a violência retratados no filme são performances no estilo "viva rico", em que a burguesia e a pequena-burguesia vão para a orla pedir paz, como se fosse possível acabar com a violência com velas e roupas brancas, ou seja, como se tratasse de um problema moral ou cultural e não social.
A burguesia passa incólume pelo filme, a não ser pela caricatura de seus filhos que, na Faculdade, fumam um baseado e discutem Foucault. Um personagem chamado "Baiano" (sutil preconceito) é a personificação do tráfico de drogas e de armas, como se não passasse de um desses meninos pobres, apenas mais espertos que os outros, que se fazem "Chefe do Morro" e que não chegam aos trinta anos de idade, simples varejistas de drogas e armas, produtos dos mais rentáveis do capitalismo contemporâneo. Nenhuma menção a como as drogas e armas chegam às comunidades, distribuídas pelos grandes traficantes capitalistas, sempre impunes, longe das balas achadas e perdidas. E ainda responsabilizam os consumidores pela existência do tráfico de drogas, como se o sistema não tivesse nada a ver com isso!
O Estado burguês também passa incólume pelo filme. Nenhuma alusão à ausência do Estado nas comunidades carentes, principal causa do domínio do banditismo. Nenhuma denúncia de que lá falta tudo que sobra nos bairros ricos. No filme, corrupção é um soldado da PM tomar um chope de graça, para dar segurança a um bar. Aliás, o filme arrasa impiedosamente os policiais "não caveiras", generalizando-os como corruptos e covardes, principalmente os que ficam multando nossos carros e tolhendo nossas pequenas transgressões, ao invés de subirem o morro para matar bandido.
A grande sacada do filme é que o personagem ideológico principal não é o artista principal. Este, branco, é o que mais mata. Ironicamente, chama-se Nascimento. É um tipo patológico, messiânico, sanguinário, que manda um colega matar enquanto fala ao celular com a mulher sobre o nascimento do filho.
Mas para fazer a cabeça de todos os públicos, tanto os "de cima" como os "de baixo", o grande e verdadeiro herói da trama surge no final: Thiago, um jovem negro, pacato, criado numa comunidade pobre, que foi trabalhar na PM para custear seus estudos de Direito, louco para largar aquela vida e ser advogado. Como PM, foi um peixe fora d'água: incorruptível, respeitava as leis e os cidadãos. Generoso, foi ele quem comprou os óculos para dar para o menino míope. Sua entrada no BOPE não foi por vocação, mas por acaso.
Para ficar claro que não há solução fora da repressão e do extermínio e que não adianta criticar nem fazer passeata, pois "guerra é guerra", nosso novo herói se transforma no mais cruel dos "caveiras" da tropa da elite, a ponto de dar o tiro de misericórdia no varejista "Baiano", depois que este foi torturado, dominado e imobilizado. Para não parecer uma guerra de brancos ricos contra negros pobres, mas do bem contra o mal, o nosso herói é um "caveira" negro, que mata um bandido "baiano", de sua própria classe, num ritual macabro para sinalizar uma possibilidade de "mobilidade social", para usar uma expressão cretina dos entusiastas das "políticas compensatórias".
A fascistização é um fenômeno que vem sendo impulsionado pelo imperialismo em escala mundial. A pretexto da luta contra o terrorismo, criminalizam-se governos, líderes, povos, países, religiões, raças, culturas, ideologias, camadas sociais.
Em qualquer país em que "Tropa de Elite" passar, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, o filme estará contribuindo para que a sociedade se torne mais fascista e mais intolerante com os negros, os imigrantes de países periféricos e delinqüentes de baixa renda.
No Brasil, a mídia burguesa há muito tempo trabalha a idéia de que estamos numa verdadeira guerra, fazendo sutilmente a apologia da repressão. Sentimos isso de perto. Quantas vezes já vimos pessoas nas ruas querendo linchar um ladrão amador, pego roubando alguma coisa de alguém? Quantas vezes ouvimos, até de trabalhadores, que "bandido tem que morrer"?
Se não reagirmos, daqui a pouco a classe média vai para as ruas pedir mais BOPE e menos direitos humanos e, de novo, fazer o jogo da burguesia, que quer exterminar os pobres, que só criam problemas e ainda por cima não contam na sociedade de consumo. Daqui a pouco, as milícias particulares vão se espalhar pelo país, inspiradas nos heróicos "homens de preto", num perigoso processo de privatização da segurança pública e da justiça. Não nos esqueçamos do modelo da "matriz": hoje, os mais sanguinários soldados americanos no Iraque são mercenários recrutados por empresas particulares de segurança, não sujeitos a regulamentos e códigos militares.
Parafraseando Bertolt Brecht, depois vai sobrar para nós, que teimamos em lutar contra o fascismo e a barbárie, sonhando com um mundo justo e fraterno.
A trilha sonora do filme já avisou:
Osso duro de roer,
Pega um, pega geral.
Também vai pegar você!"
O PCB E A CONJUNTURA
Entre as muitas reações e resistências a esta tendência recente, surgida a partir deste século, merecem destaque, entre outros elementos, o recrudescimento do apoio dos EUA a Israel e a países árabes aliados, as agressões ao Iraque e Afeganistão, as ameaças à Síria e ao Irã, a ofensiva para dividir a Palestina, a manutenção de alianças de países europeus com os norteamericanos, como no caso da Inglaterra, a busca de alianças na América Latina pelos EUA.
No plano econômico, a conjuntura registra os efeitos, na economia mundial, da crise de inadimplência do setor imobiliário dos EUA. Esta crise, gerada pelo acúmulo, no mercado americano, de empréstimos e financiamentos não pagos para a compra de imóveis, vem levando à ameaça de falência bancos e empresas construtoras, o que, por sua vez, causa escassez de moeda e queda no volume de negócios, provocando recessão. A crise na economia americana se reflete nas bolsas de valores de todo o mundo, levando à baixa no valor das ações, no primeiro momento, e a uma queda na atividade econômica, no curto prazo, que pode vir a tomar grande proporção..
A resposta à crise, por parte dos governos, tem sido a injeção de volumosos recursos nas economias, por parte dos Bancos Centrais, e a queda nas taxas de juros cobrados pelos BCs estas instituições ao sistema bancário. A crise ainda não afetou diretamente a produção, mas, ao que tudo indica, neste momento, haverá impacto de médio prazo na atividade econômica, ainda que suavizado pela ação dos bancos centrais.
Dado o atual padrão de desenvolvimento do capitalismo, com a internacionalização do capital, a introdução constante de novas tecnologias na produção - com a conseqüente destruição de postos de trabalho -, e à permanência, nas últimas décadas, na maioria dos países, de forma hegemônica, das políticas neoliberais que defendem, entre outros elementos, a precarização das relações de trabalho, a redução do Estado e o desmonte das redes de garantias sociais, acirra-se, em todo o mundo, a luta de classes, o conflito entre capital e trabalho.
Por um lado, a burguesia, integrada mundialmente, com o capital mais concentrado em grandes conglomerados internacionais, mantém agressiva ofensiva ideológica e política, buscando garantir todas as condições não apenas para a livre circulação e reprodução do capital, como também para a manutenção da hegemonia da ideologia burguesa. Há, em várias partes do mundo, ações de governos liberais para o enfraquecimento da organização dos trabalhadores e das liberdades democráticas, mesmo no sentido das representações parlamentares.
No Brasil, a burguesia opera um processo de transição, ainda inconcluso, para a sua completa integração à economia mundial, uma integração subalterna e parcial, onde predominam os interesses dos grupos exportadores, do setor financeiro, de segmentos com interesses atendidos como o da construção civil pesada. É uma repactuação de interesses dos grupos empresariais brasileiros que sobreviveram à abertura da economia dos anos 90 e dos grupos estrangeiros que atuam no país. O agronegócio, os fabricantes de aviões e de máquinas industriais e agrícolas, as construtoras e os bancos em geral são alguns dos principais exemplos.
Fazem parte deste novo pacto os elementos essenciais do ideário neoliberal, como o enxugamento do Estado - para melhor servir ao capital -, a precarização do trabalho e a destruição das garantias do sistema público de bem-estar, como a saúde e a previdência, assim como o enfraquecimento das organizações dos trabalhadores, inclusive no que diz respeito à liberdade de ação partidária, de manifestação e de imprensa, hoje comprimida entre poucos grandes grupos privados de atuam na área das comunicações. O sistema político montado para dar sustentação a este novo pacto é capitaneado pelo PT e formado pelos partidos que representam os interesses burgueses.
O trabalho enfrenta este estado do capitalismo e da hegemonia das políticas neoliberais de formas diferenciadas. Em cada país, a classe trabalhadora, em geral mais fragmentada e precarizada, com menos empregos formais e menos empregos na indústria, dada a intensidade tecnológica da base produtiva atual, busca novas formas de organização para resistir aos ataques contra seus direitos e retoma a luta por novas conquistas nos planos político e econômico. A forma de organização e a intensidade do enfrentamento, em cada país, dependem do grau de democracia e de possibilidades de luta institucional presentes, do nível de organização e de consciência de classe dos trabalhadores, de seu acúmulo de experiências de luta, do nível de unidade entre as forças de esquerda, e do grau de acirramento da luta de classes.
Na Venezuela, na Bolívia, na Nicarágua e no Equador, o voto foi um dos instrumentos utilizados pelos trabalhadores para levar avante a luta de classes, em conjunto com a luta direta de movimentos populares de diversos tipos e com a ação de partidos políticos comunistas, socialistas, de esquerda e progressistas; no Peru, forma-se uma frente de oposição ao governo entreguista de Alan García; na Argentina, está em construção uma frente de esquerda para a disputa das eleições gerais que se avizinham; no México as forças populares obtiveram uma vitória eleitoral, tendo sido afastadas do poder pela fraude grosseira que houve no processo.
Estes movimentos apontam para uma alternativa anticapitalista para o desenvolvimento de cada país, pois, com a integração internacional da burguesia, com o predomínio do capital sobre o trabalho, desaparecem as alternativas do caminho social-democrata - que, em geral, nasceu tardia, nestes países, e está falida - ou, para o chamado "terceiro mundo", da "libertação nacional" - a aliança entre burgueses nacionais e trabalhadores contra o "inimigo externo". Para a classe trabalhadora, a única saída é o Socialismo.
No Brasil, o governo Lula se deslocou mais para a direita, mantendo os ataques aos direitos trabalhistas e de organização sindical, ao direito de greve, à previdência, trabalhando para a facilitação da livre circulação do capital, que permite tudo a madeireiros, a latifundiários canavieiros que se utilizam de trabalho semi-escravo, que oferece ganhos exorbitantes aos bancos, que ataca controladores de vôo e tenta criminalizar lideranças e movimentos sociais.
Com o avanço do liberalismo e com a CUT subalternizada e descaracterizada, transformada em "linha auxiliar" do governo, fora do campo da luta de classes, e em decorrência do desenvolvimento capitalista, o movimento popular, em descenso desde o início dos anos 90, enfraqueceu-se nos últimos anos.
No entanto, o quadro político, no Brasil, começa a transformar-se. Em diversos segmentos sociais, com destaque para o funcionalismo público e as categorias profissionais que compõem as camadas médias, aumenta a percepção quanto à natureza conservadora e ao caráter burguês do governo Lula, ainda que a maior parte dos setores da "elite" - a burguesia brasileira, os grupos econômicos que mais vêm se beneficiando com as políticas neoliberais - e os grupos de baixa renda, clientes da bolsa - escola e da bolsa - família, ainda considerem as ações do governo favoráveis aos seus interesses.
No terreno partidário, agremiações com referências de esquerda, como PDT, PSB e PC do B, migram para uma posição de mais independência em relação ao governo, tendendo a formar um bloco eleitoral, mas se mantêm em relativa paralisia em relação ao movimento de massas porque dão sustentação ao governo. A resistência de fato, no que diz respeito aos partidos, vêm do PSTU, do PCB, de parte do PSOL e de outros partidos do campo socialista e comunista. No campo da luta sindical e de massas, atuam um conjunto de movimentos sociais somados à Intersindical - que congrega sindicatos e militantes sindicais, e a Conlutas, uma entidade que reúne, organicamente, sindicatos e outros movimentos de natureza diversa. O MST enfrenta dificuldades crescentes na condução de suas bandeiras de luta, uma vez que o campo, no Brasil, é, hoje, utilizado quase totalmente como meio de produção, integrado plenamente ao capitalismo. O MST depende do governo, em parte, para suas ações, mas segue como um movimento de pressão, com apoios nas camadas médias urbanas. O MST tem possibilidades de vir a tornar-se um novo partido político.
Entendemos que foi positiva a iniciativa de criação da Conlutas. No entanto, dada a sua constituição heterogênea - sindicatos e entidades de natureza diversa, como o movimento negro e o movimento de mulheres, reunidos, organicamente, na mesma entidade -, entendemos que a Conlutas não atende à necessidade de organizar os trabalhadores no plano nacional, uma vez que é neste terreno - o conflito capital x trabalho -, que se situa o centro da luta de classes. Endendemos que a proposta da Intersindical se aproxima mais do perfil de uma futura central classista, ampla, com ampla participação das bases, e que, para o avanço da luta, é fundamental que haja não apenas diálogo constante mas principalmente unidade de ação com a diálogo com a Conlutas e outras organizações congêneres.
O encontro nacional dos trabalhadores, realizado em 25 de março, em São Paulo, foi um marco importante na retomada do movimento. Com cerca de 6000 pessoas, unindo Conlutas, Intersindical, partidos e movimentos diversos, o evento deu provas de que há condições para a chegar-se a um novo patamar de luta apesar de ainda ser insuficiente a organização dos trabalhadores para o enfrentamento político. No entanto, na prática, as resolução de 25 de março não saíram do papel, ainda que, nas comemorações do Primeiro de Maio e na Jornada de Lutas de 23 de maio, o movimento tenha realizado, de forma unificada, importantes manifestações, por todo o país. Há que ressaltar-se, também a grande importância que tem o Fórum Nacional de Mobilização, pelo seu enorme potencial de consolidar a unidade dos movimentos sociais e das forças de esquerda para impulsionar a luta contra o neoliberalismo.
Os comunistas do PCB entendemos que é necessário manter e ampliar a frente de esquerda, entendendo que sua conformação e seu Programa não devem limitar-se ao campo eleitoral. É necessário trabalhar intensamente para a construção de um Bloco Histórico, com partidos, sindicatos e organizações diversas, com um programa de lutas anticapitalista, com centro no embate entre capital e trabalho, que faça avançar as conquistas sobre a propriedade privada dos meios de produção, que conquiste políticas sociais universalizantes quanto ao acesso às estruturas de bem-estar, que avance na distribuição da renda, que permita a construção do Poder Popular, que difunda as idéias e valores socialistas e comunistas na luta contra a hegemonia do pensamento burguês. Para esta tarefa, é fundamental o fortalecimento da unidade dos comunistas. Saudamos o Fórum de Unidade dos Comunistas, formado originalmente pelo PCB, pela Refundação Comunista e pela Corrente Comunista Luiz Carlos Prestes.
A construção deste bloco exige a realização de um Encontro Nacional da Classe Trabalhadora, que congregue sindicatos, militantes sindicais e organizações de trabalhadores, para fazer ressoar por todo o Brasil o combate às reformas trabalhista e sindical e da previdência, a luta pela reestatização da Vale do Rio Doce, a luta pela elevação dos salários e por outras conquistas. Este Encontro será o primeiro passo para viabilizar a construção de uma central sindical que se paute pela luta de classes, uma central que reuna sindicatos hoje filiados à Conlutas, à Intersindical e a outras centrais, sindicatos independentes e oposições sindicais. Será um passo importante para a construção do Bloco Histórico revolucionário, será um momento de reversão do movimento, de retomada da ofensiva da classe trabalhadora.
PCB - Comissão Política Nacional
Setembro 2007